segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O Cristão e a lei secular - A questão da cópia de mídias digitais

Primeiramente gostaria de deixar bem claro que como cristão evangélico que sou, membro da Assembléia de Deus e defensor da ortodoxia doutrinária, não poderia ter outra postura ideológica se não essa: “os poderes constituídos: Estado Nação, Estados-membros, Municípios, Executivos, Legislativos, Judiciários, forças armadas, autarquias, enfim, todas as instituições públicas constituídas, além de todo o aparato legal que compõe o sistema jurídico positivado do Estado Democrático Brasil, bem como os de outros Estados democráticos, são absolutamente bíblicos e em total conformidade com a boa conduta e ética; devendo ser respeitados e honrados pelos cristãos tementes a Deus e a sua Palavra”. O objetivo deste sucinto artigo é tecer breves comentários sobre o relacionamento do cristão com as leis seculares, compreender melhor esta e declinar mais especificamente para o fato da não ilicitude da cópia de mídias digitais (CDs, DVDs, etc) para fins privados e não comerciais. Expondo o real significado e sentido do Direito, espero que as dúvidas se desfaçam e que possíveis dilatamentos desses pensamentos mal formados não venham a ocorrer.

O Direito em um Estado democrático, ele existe, em uma suma bastante audaciosa, para proteger, resguardar um bem jurídico de uma pessoa, seja ela pessoa física ou jurídica. A razão de existir do Direito é essa. E quais são os bens jurídicos que o Direito protege? O doutrinador Fernando Capez, em seu Curso de Direito Penal, Parte Geral, afirma que “A missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc”, mais a frente o jurista diz que: “da dignidade nascem os demais princípios orientadores e limitadores do Direito Penal, dentre os quais merecem destaque: a) Insignificância ou bagatela: <...> Segundo tal principio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevem condutas incapazes de lesar o bem jurídico. <...> Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. Em outra passagem introdutória, o doutrinador cita Celso Antônio Bandeira de Mello: Violar um principio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Com as reproduções acima, compreendemos de logo que o Direito existe para resguardar os bens jurídicos de algo que venha realmente a causar um prejuízo para o seu proprietário, e não atentará para pormenores que, com ou sem eles o bem jurídico não seria afetado. As leis nascem do espírito dos princípios sustentadores do Direito, e elas (as leis) não podem, nunca, contrariarem o princípio maior de justiça que as fez nascerem!

Percebemos que o Direito não é composto de leis frias e mortas, vemos que o subjetivo é quem engloba o objetivo, mas não o anula. Tudo o que envolve o caso concreto é levado em conta na hora do julgamento, e isto engloba as motivações internas e externas do sujeito, as intenções, a situação em que ele se encontrava, suas condições na relação casual, o que poderia ser feito para se evitar o desfecho negativo, se este poderia realmente ser evitado, etc; todas essas verdades estão no sangue do direito civil, penal, e dos demais ramos do Direito. Vale dizer que a ausência de culpa ou dolo, na grande maioria dos casos que o sistema jurídico trata, simplesmente anula a responsabilidade e a culpa do agente, não respondendo ele por crime algum.

A definição da pirataria em si não engloba a cópia única para fins privados e não comerciais (que não visem o lucro). O crime contra o autor e proprietário de direitos autorais é tipificado basicamente por dois elementos, que o primeiro é o da intenção do copista, ou seja, se ele usou de uma obra digital, por exemplo, uma pregação em dvd, com o intuito primário e motivador de obter lucro em cima do trabalho alheio, independentemente da qualidade da gravação e de sua quantidade; o segundo elemento tipificador é o do proceder do copista, ou seja, se ele após reproduzir quantidade ‘y’ de determinado trabalho digital, passa a comercializar, fazer propaganda dos produtos copiados, montar um ponto de venda ou sair de casa em casa oferecendo o ‘seu’ produto, enfim, quando os seus atos caracterizarem um verdadeiro ramo empresarial e econômico, o copista estará, deste modo, praticando ato ilícito e criminoso, bem como aquele que diretamente adquirir o produto ilegal comercializado (receptação).

Cabe aqui o comentário de Guilherme C. Carboni, advogado da ‘Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados’, e responsável pelo departamento de Propriedade Intelectual, sobre a Lei 10.695/03, que trata do tema da propriedade de direitos autorais e intelectuais, seu comentário é o seguinte:

“Apesar de o artigo 184, caput, do Código Penal, tipificar o crime de violação de direito de autor e direitos conexos sem intuito de lucro, parece-nos que a tônica da Lei 10.695/03 é penalizar, principalmente, a prática que tenha intuito de lucro direto ou indireto, conforme expressamente estabelecem os parágrafos 1º, 2º e 3º desse mesmo artigo. Para esses casos, o legislador aumentou a pena, com o claro intuito de combater a prática da pirataria de obras protegidas por direitos autorais, inclusive nas novas tecnologias, como a Internet, cujo tipo penal foi definido pelo parágrafo 3º do artigo 184.

Além disso, a Lei 10.695/03 resolve definitivamente a polêmica questão acerca da cópia única para uso privado do copista, sem intuito de lucro, ao inserir o parágrafo 4º no artigo 184, que exclui tal prática, de forma expressa, da incidência das penas previstas nos parágrafos precedentes. Portanto, copiar obra integral, em um só exemplar, para uso exclusivamente privado, sem intuito de lucro, não é tipificado como crime.

Assim, podemos dizer que uma das características mais louváveis da Lei 10.695/03 foi a de ter estabelecido pesos diferentes para as penas aplicáveis à reprodução com e sem intuito de lucro, além de ter excluído da tipificação penal a cópia única para uso privado do copista, sem intuito de lucro, uma vez que cada uma dessas práticas tem diferentes impactos na esfera social e econômica. Nada mais do que justo. Não há sentido, por exemplo, em se punir um pobre coitado de um aluno de instituição pública de ensino, do interior do Acre, que tirou para si uma xérox de dez páginas de um livro para estudar para a prova da próxima semana; oras, ele nunca iria ter condições de comprar o livro para ele, o autor não perdeu e nem deixou de lucrar nada! O jovem estudante não obteve lucro, não comercializou a sua cópia do livro. Não há que se falar em crime!

O Cristão ainda tem que ter em mente que por mais positivado seja o ordenamento jurídico, suas afirmativas não são, nunca foram e nunca serão verdades absolutas. O próprio direito é prova viva disto! As leis são mudadas diariamente, o que se era justo ontem, amanha já se poderá chegar a conclusão de que é injusto! Inúmeras contradições existem em nosso ordenamento jurídico, muitas inconstitucionalidades são aplicadas, e o que vemos é que acima da lei e dos princípios do Direito estão os interesses políticos e humanos. Portanto, repito, devemos ser bons cidadãos, cumpridores de nossas obrigações cíveis e militares (quando for o caso), mas devemos também atentar para o fato de que as leis cíveis e militares são de origem humana, e, portanto, cabíveis de erros e injustiças, nos alertando assim para que não tenhamos uma entrega total e uma obediência cega e irracional das leis humanas (Sl 118:8; Jr 17:5); o padrão deve ser sempre os ensinos bíblicos, dar a César o que é de César, tributo a quem se deve tributo, honra a quem se deve honra, e a Deus o que Deus quer de nós! (Sl 111:10; Pv 9:10; Os 6:6; Mt 12:7). A justiça divina é que é a absoluta, a perfeita, inerrante, a justa por excelência, e é Ela que irá definir os condenados e os absolvidos do julgamento final e eterno! Essa justiça está baseada na Bíblia Sagrada (Sl 9:8; 96:13; 98:9; Is 51:5), e é tão alta para o nosso limitado alcance conjectural, que chega a ser incompreensível (Is 55:8,9; Rm 11:30-34), cortando assim toda e qualquer pretensão de sairmos julgando o coração e a salvação de irmãos de fé (Rm 14:4,10; Tg 4:11). Oras, se o Cristão julga correto e bíblico ser submisso às autoridades constituídas, cumprindo, por exemplo, suas obrigações tributárias para com o Estado, mas se já, por outro lado, julga ser contra a vontade de Deus matar alguém em uma guerra, mesmo que isso seja legal e honroso perante o Estado, percebe-se a relatividade da lei secular para o homem temente a Deus (Dn 6:6-16). No fim das contas, a Bíblia é que dirá de um modo geral, com os seus ensinos e relatos históricos, qual lei secular é justa ou não, é pecado ou não, deve ou não ser observada pelo Cristão. Digo de ‘um modo geral’, porque não é a intenção e objetivo da Bíblia tratar das especificidades da lei humana. Paulo chega a exortar os irmãos coríntios em 1 Co 6:1-6 por fazerem uso excessivo e desnecessário da justiça humana, justiça essa regida por injustos (v. 1) e que não conhecem a verdadeira justiça bíblica.

Convêm aqui transcrever parte do comentário da Bíblia de Estudo Pentecostal sobre Rm 13:1ss que diz: “(3) Paulo descreve o governo, tal qual ele deve ser. Quando o governo deixar de exercer a sua devida função, ele já não é ordenado por Deus, nem está cumprindo com o seu propósito [pois Deus não compactua com a injustiça]. Quando, por exemplo, o Estado exige algo contrário à Palavra, o cristão deve obedecer a Deus, mais do que aos homens (At 5:29, cf. Dn 3:16-18; 6:6-10)” [grifo nosso].

Vejamos também as palavras de Deus, as quais ele falou pelo profeta Isaías em Is 10:1,2 que diz: “Ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães que prescrevem opressão. Para desviarem os pobres do seu direito, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo; para despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!”.

Assim como no Direito o subjetivo pesa tanto quanto o objetivo, na justiça divina também não é diferente. Deus consegue não ser um intransigente total e ainda assim cumprir a justiça de sua Palavra. Provérbios 12:22 diz que “O homem de bem alcançará o favor do SENHOR, mas ao homem de intenções perversas ele condenará, ver ainda Hb 4:12 com atenção e Lc 10:13,14; 1 Sm 16:7; Pv 6:16-19; Mt 22:35-40; Rm 13:8; Gl 5:22,23. O objetivo (o concreto, as obras, o que foi exteriorizado) também será levado em conta no justo julgamento divino (Mt 16:27; Rm 2:6; Ap 20:13). Em suma podemos afirmar, sem nenhuma dúvida, de que o julgamento humano é procedido de forma semelhante ao divino, mas com certeza não é igual, pois o julgamento humano é deveras passível de falhas e injustiças, e sem dúvida essas falhas e injustiças são mais comuns do que os acertos (Sl 82:2-4; Lc 18:6).

Compreendemos que mais importante é a intenção motivadora do coração em praticar tal feito, do que o próprio e mero ato cumpridor e observador da lei, é o que podemos perceber claramente em Mt 19:16-24. A Bíblia ainda nos revela o juízo que Deus realiza em cada caso concreto, realizando um juízo de valor na situação fática; é o que percebemos no caso da meretriz Raabe, aonde ela realizou um fato condenável pela Bíblia, que foi a mentira, mas que a mesma chegou a compor a galeria da fé de Hebreus 11. Não estou concordando com a mentira de Raabe, muito menos a Bíblia faz isso, pelo contrário, a Bíblia nunca concorda com o erro e com o pecado! Logo percebemos que Raabe não foi para a galeria da fé pela sua mentira, não foi a mentira que levou Raabe para os exemplos de fé, mas sim sua fé e boa intenção em acolher os espias judeus em paz (Hb 11:31) e sua misericórdia para com os mesmos (Js 2:12), sendo que esse seu feito é tido como obra proveitosa em Tg 2:25. Logo fica a pergunta: Deus julgou a mentira de Raabe e a concordância dos espias judeus com a prática mentirosa da meretriz (Js 2:14,20), com o mesmo peso condenatório das mentiras de Ananias e Safira? Resposta mais do que clara pelo o que se sucedeu nos desfechos dos distintos casos! E o que fez com que Deus aplicasse um julgamento totalmente diverso para com um mesmo pecado? Creio que o já exposto torna esta resposta bastante óbvia. A mentira para com Deus não tem atenuante em suas conseqüências, é julgada de acordo com o santíssimo padrão Divino (Gn 3:1-19). Ler com atenção Mt 12:1-8.

Portanto, não podemos executar um juízo analisando-se apenas uma face da moeda; não podemos julgar que determinado irmão ou irmã está no inferno porque está infringindo especifica determinação legal humana que se diz ser o certo e o justo. O cerne da questão é a motivação da pratica de tal ato ‘criminoso’, se Deus realmente está deixando de ser glorificado, e se realmente está ocorrendo um escândalo para com o Evangelho. Perceba-se que na narrativa de Mt 17:24-27 o Senhor Jesus julga injusta a maneira como era procedida a cobrança dos tributos pelos reis da terra, mas o que o leva a ordenar que Pedro efetuasse o pagamento do mesmo é para que se evitasse um escândalo ao Evangelho. Além do que, não custa relembrarmos a base da teologia soteriológica, que é a salvação pela Graça mediante a fé, e não por sermos bonzinhos cumpridores da lei mosaica, muito menos da lei humana. O que é que nós aprendemos no estudo da soteriologia, no estudo da salvação? Não é que todos nós seres humanos cometemos crimes contra a lei divina e que nunca poderemos, enquanto estivermos aqui na terra, sermos perfeitos cumpridores da Lei!? Sendo que o que diferencia o salvo (temente) do condenado (blasfemador) é o modo como cada um trata o pecado (crime) que o cerca, sendo que o salvo luta, se esforça, foge, busca de todas as maneiras pecar (cometer crime) o menos possível, já quando o incrédulo não está com a mínima preocupação em pecar ou não, em cometer um crime ou não, para ele tanto faz pecar ou deixar de pecar! Esse raciocínio pode-se perfeitamente ser aplicado para com as leis humanas.

O grande problema da questão central deste artigo, é uma falta de escrúpulos e bons modos que, infelizmente, vem infectando o povo de Deus. Por mais que não seja crime e pecado realizar uma cópia para fins privados e não comerciais, os evangélicos têm que ter em mente que a realização de uma cópia é um ato no mínimo constrangedor e embaraçoso. Tem que ser algo adotado em última instância, quando é facilmente perceptível que o original nunca teria condições de vim a ser adquirido, e que o único jeito de se obter aquela tão desejada pregação em dvd é realizando uma cópia única privada para fins não comerciais, deixando-se o dvd copiado guardado lá na sua gavetinha, só para o seu uso ou de algum conhecido que o venha a tomar emprestado. O irmão ou irmã não pode demonstrar para os seus conhecidos, especialmente os incrédulos, que ele faz uso dessas cópias da maneira mais normal e sem culpa possível. Temos que aprender a moderação e temperança que a Bíblia nos ensina (2 Tm 1:7; At 24:25; Gl 5:22; 2 Pe 1:6).

Finalmente, se fossemos parar para analisar minuciosamente e literalmente o que o nosso ordenamento jurídico nos coage a cumprir, chegaríamos a inescusável conclusão: todos os dias, a toda hora, a quase todo instante, seja de forma perceptível ou não, nós praticamos algum desvio legal, nós cometemos algum crime! seja ele pequeno ou não. Quem nunca abasteceu seu automóvel e não exigiu a nota fiscal, ou amenos o cupom fiscal? Crime do dono do automóvel e do proprietário do posto! Quem nunca andou de moto sem capacete? Crime! Quem nunca atravessou uma via, que continha uma faixa de pedreste próxima, por fora da faixa? Mais um crime! Quem nunca atravessou aquele sinal vermelho às 12 horas da noite, quando não havia sequer um rato na rua? Crime! Quem nunca cruzou aquela fronteira entre Estados-membros dificilmente fiscalizada pelos funcionários do posto fiscal e não parou para declarar o que comprou? Crime de sonegação! Quem nunca comprou um simples lápis em uma livraria e não recebeu a nota ou cupom fiscal? Crime dos dois! Poderia elencar aqui inúmeros outros exemplos, que só viriam para reforçar a tão terrível realidade legal que nos cerca: “somos todos culpáveis e condenáveis perante a lei!” Opa! Isso me soa familiar!!! “Estaríamos condenados a viver encarcerados para sempre, visto a quão grande cumulativa culpa que nos cerca!” Opa, isso também me parece bastante familiar!!!

“Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades como um vento nos arrebatam” Is 64:6.

“Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos” Tg 2:10.

“Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” Rm 8:3.

“Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso SENHOR Jesus Cristo” 1 Co 15:56,57. Aleluia!!!

Oh! Senhor, ajuda-nos para que nós, como Igreja, possamos passar a nos preocupar mais em cumprir a lei de Cristo e do Evangelho da Graça, mas nunca abandonando por completo as questões que parecem ser pequenas e inofensivas. Ajuda-nos a compreendermos a santa fé que nos fora dada! Perdoa os nossos pecados e capacita-nos para que possamos lhe agradar cada vez mais em tudo que nos envolve! Em nome de Jesus Cristo, vosso santíssimo Filho, Senhor e Salvador nosso! Amém!

Sola Gratia! (Somente a Graça)

Anchieta Campos

Nenhum comentário: