sábado, 30 de maio de 2009

A disciplina eclesiástica local e a comunhão com Deus

Quem é evangélico sabe que existe em nosso meio o instituto da “disciplina”, o que nada mais é do que uma sanção aplicada pelo pastor local (na maioria das vezes com o prévio aval do presbitério) a determinado membro ou grupo de membros da igreja local. Pelo fato de já ter presenciado e tido notícia de diversas disciplinas sentenciadas sobre membros, pelos mais variados motivos, e com as mais variadas sanções e resultados sobre a vida dos “condenados”, deliberei realizar esta pequena análise sobre o tema, notadamente enfocando qual a relação de uma disciplina aplicada por um líder eclesiástico local, com a vida espiritual do “apenado”.

Primeiramente tem que se destacar que o protestantismo está voltando a sofrer (ou ainda sofre) com uma nada boa herança do catolicismo romano, que é a falsa idéia de que o líder eclesiástico tem o poder de determinar quando certo membro está ou não em comunhão com o Corpo de Cristo, e, por sua vez, em comunhão com Deus. É isso mesmo! Temos em nosso meio os papas evangélicos! Muitos líderes pensam que tem a chave de Mt 16:19! Sei que é meio absurdo e até cômico (realmente romanismo no seio protestante é absurdo e cômico!), mas é uma realidade patente em nosso meio.

O exemplo maior desta realidade é a proibição do membro em disciplina de participar do pão e do vinho na Santa Ceia. Oras, quem é o líder local para dizer se o membro está ou não em comunhão com Deus e com os irmãos? É por acaso ele Deus para conhecer o coração de “suas” ovelhas? Não estou aqui menosprezando e nem desmerecendo a figura das igrejas locais e dos seus líderes (ver meu artigo Em defesa da igreja local), muito menos dizendo para a igreja local ser benevolente com o pecado (ver meu artigo O crente e o pecado), mas apenas que se saiba tratar o pecado do modo que é para ser. Se o pecado foi público e notório para toda a igreja e sociedade próxima, tudo bem ser repreendido (conforme o seu grau) de um modo que a igreja local perceba que houve uma medida de coibição, que o pecado não fora tolerado (cf. Rm 16:17; 1 Co 5:1-5; Gl 2:11-14), e para isto não é necessário proibir o irmão de participar da Santa Ceia, pois isto foge da atribuição do pastor, sendo algo estritamente entre o crente e Deus (ver meu artigo Compreendendo a Santa Ceia). Se o pecado não é público e notório para a igreja, sendo conhecido apenas da liderança ou de alguém próximo, e o crente insiste em permanecer no erro, aplica-se, por analogia, o disposto em Mt 18:15-17. Destaque-se que em relação aos presbíteros (leia-se líderes), a recomendação bíblica é de uma repreensão sempre pública, apenas com a ressalva de não ser uma acusação feita por uma pessoa só (1 Tm 5:19,20); o que vem a ser justo, haja vista a posição que eles ocupam, bem como a responsabilidade que carregam.

A disciplina basilar sobre a temática em questão se encontra em Hb 12:5-11: “E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do SENHOR, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos. Além do que, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos? Porque aqueles, na verdade, por um pouco de tempo, nos corrigiam como bem lhes parecia; mas este, para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade. E, na verdade, toda a correção, ao presente, não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela” (cf. Ap 3:18-20). A disciplina que vem a ser o reflexo da comunhão com Deus, por evidente, apenas pode partir do próprio Deus! Por mais que o exterior possa ser um reflexo do interior de uma pessoa, o mesmo é enganoso em ambos os sentidos, sendo que o que define realmente uma pessoa para com Deus é o seu interior (1 Sm 16:7; 2 Co 5:12; Gl 2:6; Cl 2:23; 3:22; 2 Tm 3:5). Por isso que o julgamento de uma pessoa deve se iniciar sempre pela doutrina que a mesma professa (Rm 16:17; Ef 4:14; 1 Tm 1:3,10; 4:1,6; 6:3-5; 2 Tm 4:3,4; Tt 1:9; Hb 13:9; 2 Jo 1:9,10; Ap 2:14,15), sendo que os atos condenáveis (Gl 5:19-21; Ap 21:8; 22:15) não são necessariamente o estado permanente e imutável de uma pessoa, cf. 1 Co 6:9-11; Ef 2:2,3; 5:8; Cl 1:21; 3:5-8; Tt 3:1-5. Lembremo-nos apenas do exemplo da mulher do vaso de alabastro em Lc 7:37-50, a qual fora julgada como pecadora pelo fariseu (v. 39), mas que já havia entrado na casa arrependida (v. 38), tendo alcançado o perdão dos seus pecados (v. 48) e a paz (v. 50).

Portanto, não é uma disciplina humana/eclesiástica, algumas vezes motivada por motivos espúrios e egoístas, que irá definir a bênção ou a maldição sobre a vida de um membro local, que irá definir se um cristão está ou não em comunhão com Deus; não cabe ao líder local definir se um membro pode ou não cear! Não há espaço no protestantismo para um “papa evangélico”, detentor das chaves do céu, que liga e desliga o vínculo de uma pessoa com Deus na hora que bem quiser, que excomunga ao seu bel prazer. Não!

“Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de indulgência” 36ª Tese de Lutero.

Anchieta Campos

13 comentários:

JamesCondera disse...

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Misericórdia, e paz vos sejam multiplicadas, amado em Cristo, nobre irmão Anchieta Campos.

Seu exímio texto vem de encontro ao que, vez por outra, trago a luz das Sagradas Escrituras, os exageros da soberba e autoritarismo da chamada liderança!

Exageros estes, como tens relatado, chegam ao cúmulo da supressão a participação da Ceia do Senhor, o que por si só, cabe-nos o auto exame.

Por atitudes como esta, considero ser impossível aceitar que estes homens estejam a frente de uma denominação e muito menos, sejam intitulados líderes...

Entendo que, ao homem é impossível que venha a ser designado como líder sobre outrem, pois, lhe sobe sobremaneira a cabeça, o ser superior, por este motivo, sempre me coloquei contrário ao título de líder, mas tenho a certeza que o Senhor levanta homens humildes para que amem Suas ovelhas e que de si se dão por elas:

E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo”;

Nos interesses de Cristo e Sua Igreja.

Fraternalmente.

James.

Jesus, o maior Amor ///
Comunidade "Adoradores em Casas"///
...
..
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Anchieta Campos disse...

Prezado irmão e amigo James, a paz do Senhor.

Sua nobre participação em meu humilde espaço é sempre motivo de alegria e honra.

Uma boa intervenção, a qual compreendo e compactuo com ela em sua essência. A bem da verdade, assim como existem médicos e "médicos", advogados e "advogados", policiais e "policiais", também existem pastores e "pastores". É uma realidade a qual não podemos fugir.

O importante é que nossa comunhão com Deus não depende da boa (ou má)vontade de ninguém!

Abraço.

Anchieta Campos

Anônimo disse...

Prezado Anchieta,

Paz seja contigo e com os leitores de seu blog.

A disciplina eclesiástica é uma das marcas da verdadeira igreja, no entender dos reformdos. Para Lutero e Calvino, entre outros poucos sinais, haveria uma igreja verdadeira onde houvesse disciplina sendo corretamente aplicada. Portanto, não se discute a necessidade da disciplina, pelo contrário, se reconhece que a prática rareia cada vez mais.

Porém, a disciplina deve ser corretamente aplicada. Isso significa que não cabe ao pastor aplicar uma censura eclesiastica ao membro faltoso. Isto deve ser feito privativamente por qualquer irmão ou publicamente pela igreja em assembléia.

Quanto ao partiricar da ceia, a menos que o crente seja considerado "gentio ou publicano", deve ficar por conta de sua consciência participar.

Em Cristo,

Clóvis

Anchieta Campos disse...

Caro irmão Clóvis, a paz do Senhor.

Posso também dizer a vossa pessoa que é muito honroso para mim receber sua participação em meu blog. Sabes da consideração e distinção que tenho para com a vossa ilustre pessoa.

No demais, creio que o meu artigo se compactua com o pensamento externado em seu comentário e, sendo assim, com o pensamento dos reformadores.

Tenho certeza que percebestes que em nenhum momento fui contrário a prática da discplina eclesiástica, mas tão somente defendi que a mesma seja sempre nos moldes de justiça emanados pela Bíblia. Defendi também que a disciplina eclesiástica (no momento em que é aplicada), mesmo que cercada de todos os cuidados, não tem o poder de definir se o crente está ou não em comunhão com Deus. Mas, repito, tem que haver sim um controle e cuidado, caso contrário vira bagunça mesmo.

Como disse, vejo uma condordância praticamente que total entre seu comentário e o meu artigo.

Forte abraço.

Anchieta Campos

Anônimo disse...

Anchieta,

Louvo a Deus por concordarmos também neste ponto.

Hoje, quando um jovem da igreja pediu indicação de sites edificantes para visitar, entre os 5 que indiquei, estava o seu.

Em Cristo,

Clóvis

Anchieta Campos disse...

Prezado Clóvis,

Saber que tive meu blog incluído em uma restrita lista é, para a minha simples pessoa, motivo de grande honra e alegria, principalmente sabendo que esta indicação fora feita por um cristão sincero e deveras honesto para com a sã doutrina bíblica.

Saiba que, verdadeiramente, és membro da minha especial lista de indicações!

Forte abraço.

Anchieta Campos

Anchieta Campos disse...

Caro Luiz Laguardia, a paz.

Vi seu blog. Muito bom e com uma causa mui nobre.

Tens meu apoio.

Deus te abençoe.

Anchieta Campos

Lucas Marim Santos disse...

A Paz do Senhor!

Só duas observações:
-Onde escreve-se líder, devia ser SERVO, o qual todos somos de Cristo, e ideal seria que não houvesse em nós a figura de um líder, mas a figura de um servo cada vez mais a serviço de Cristo e amando seus próximos.
-E se talvez algo sobre o que vou citar agora não ficou claro, que fique:
1 Timóteo 5:20 Aos que pecarem, repreende-os na presença de todos, para que também os outros tenham temor.
Tito 1:13 Este testemunho é verdadeiro. Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé,
Tito 2:15 Fala disto, e exorta, e repreende com toda a autoridade. Ninguém te despreze.

Você não precisa de participar da ceia pra estar em comunhão em Cristo(a alegria de ser salvo nEle), mas se é possível participar, é bom é formidável que haja essa comunhão (a ceia).
Agora aos que pecaram, e estão em período de prova (a disciplina), é prudente que também não participem do corpo de Cristo(a ceia), para que não sirva de escárnio dos infiéis e até, dos fiéis! Mas volto a repetir, é prudente que se faça isso! Creia que, se os amados irmãos, que por descuido caíram em laços de pecado, forem repreendidos em amor e sabedoria que Deus da aos seus servos que colocou a frente do trabalho (como eu já disse, a palavra "líder" tende a desvalorizar a figura de Cristo - pode ser impressão minha, mas ainda mantenho essa opinião: seja servo, não líder), creio que o mesmo Deus que age fielmente através de seus servos, Ele firmará os que Ele tem ajudado a se reerguer! Sim, os homens tomam o Reino de Deus pela força, e sei que não é fácil entrar, mas fiel é Deus para firmar seus piedosos, tementes e sinceros servos!

Anchieta Campos disse...

Caro Lucas Marin, a paz do Senhor.

A referência de 1 Tm 5:20 refere-se a repreensão dos presbíteros.
Tito 1:13 refere-se a judeus que causavam grandes transtornos e problemas para o seio gentio da igreja (vs. 10,11), os quais notadamente haviam se desviado da sã doutrina da Palavra de Deis (vs. 13,14).
Tito 2:15 é um ordenamento geral, que deve ser analisado dentro do seu próprio contexto, notadamente todo o capítulo 2, o qual este verso encerra; mas em suma o verso apenas fala da autoridade que o presbítero tem para repreender, conquanto observado os requisitos dos versos 1,7,8. A sistemática bíblica sobre a displina dos membros é a exposta no artigo.

É claro e evidente que a participação na Ceia não é requisito indispensável para a comunhão com Deus, mas a vejo como uma ordenança do próprio Cristo, assim como o batismo em águas, o qual, assim como a participação ou não da Santa Ceia, depende exclusivamente de fatores e convicções subjetivas de cada crente (cf. At 8:35-38).

No demais, muito obrigado por sua ilustre participação em meu blog, a qual veio a enriquecer sobremaneira este espaço.

Abraço.

Anchieta Campos

Anônimo disse...

Gostaria de pergunta ao nobre amigo e otimo articulador cristao , como disciplinar os membros que vivem em pecados costumeiros ?

e se possivel um comentario sobre 1 corintios 5 ? sobre a disciplina aplicada por paulo ao crente em corinto ?

como punir um crente que vive em pecado ?

Anchieta Campos disse...

Anônimo, saudações.

Não aceito comentários anônimos, mas você (seja lá quem for) foi educado e objetivo, bem como realizou indagações pertinentes.

Como disciplinar os crentes que vivem reiteiramente em pecado? O artigo já oferece as diretrizes para essa resposta.

O fato é que todo pecado merece disciplina, mas disciplina não é necessariamente uma pena, mas também pode ser um conselho (Ap 3:18), uma palavra de perdão e recomeço (Jo 8:10,11), uma repreensão verbal (Gl 2:11-14), um isolamento (Rm 16:17), como também pode ser um rompimento total na convivência com o iníquo, como foi o caso de 1 Co 5. Em suma, como eu já disse no artigo, cada caso é um caso, e tem que haver muita sabedoria e imparcialidade para proceder com estas atitudes.

Apenas reforço que a disciplina/correção não é atributo exclusivo do pastor, bem como que a mesma não necessariamente reflete a comunhão do disciplinado com Deus, podendo taxar como pecador um crente já remido e restaurado por Deus (bem como o inverso também).

No caso de 1 Co 5, estamos, notadamente, em um claro caso específico, onde havia um pecado nem mesmo costumeiro entre os gentios (não crentes), ou seja, um pecado tão grave que veio a ser escândalo e notícia em toda Corinto, pois por sua gravidade veio a ser algo raro na sociedade como um todo, o que, por evidente, causou inúmeros prejuízos àquela igreja local.

Perceba que este pecado era costumeiro e já perdurava a um considerável tempo (uso dos termos 'geralmente' e 'abuse', v. 01), o que demonstrava que tal abominação fosse perdurar. É um caso realmente excepcional, o que exigiu, por todos os seus caracteres, tal medida extrema. Contudo, deve-se observar que tal medida extrema foi motivada com o intuito maior de um posterior arrependimento e salvação do fornicador (v. 05).

Portanto, excetuando-se casos extremos como o de 1 Co 5, o ideal é fazer-se uso das outras medidas acima elencadas, conforme as diretrizes já expostas no artigo em comento, o que não inclui a proibição de participação na Santa Ceia.

O pecado foi público e notório para toda a igreja e faz-se necessária uma disciplina/correção perante a mesma? Bem, se for mesmo necessário (conforme o caso), pode-se, por exemplo, passar um certo período sem dar oportunidades para o disciplinado pregar e/ou cantar, bem como retirá-lo de alguma função que exercia na igreja local, até que a "sede de justiça" da igreja local (e as vezes do líder) venha a ser saciada (para o bem do Corpo).

Basicamente é isto.

Anchieta Campos

claudio pimenta disse...

Nobre irmao , muito obrigado pela respota , nao havia mostrado perfil por que nao sei o motivo no momento o site nao permitiu a postagem .


Esta parte da sua respota :

"O pecado foi público e notório para toda a igreja e faz-se necessária uma disciplina/correção perante a mesma? Bem, se for mesmo necessário (conforme o caso), pode-se, por exemplo, passar um certo período sem dar oportunidades para o disciplinado pregar e/ou cantar, bem como retirá-lo de alguma função que exercia na igreja local, até que a "sede de justiça" da igreja local (e as vezes do líder) venha a ser saciada (para o bem do Corpo)."

Caiu como uma luva na duvida que eu estava precisando tirar

Muito obrigado pela respota

Anchieta Campos disse...

Caro irmão Cláudio Pimenta, a paz do Senhor.

As vezes realmente é complicado postarmos com o nosso perfil.

Fico feliz em poder ter colaborado com algo. Deus seja louvado por isso!

Disponha sempre!

Abraço.

Anchieta Campos