quinta-feira, 17 de abril de 2008

Uma produção acadêmica sobre a Eutanásia (parte 01)

Disponibilizo no blog um Projeto de Pesquisa de minha autoria, elaborado no início do meu curso de Direito, no ano de 2005, como requisito da disciplina Metodologia do Trabalho Científico.

O tema abordado foi “A questão da Eutanásia e sua legalização”, onde realizei uma abordagem ética/lógica/histórica/cultural sob o tríplice enfoque da medicina, do direito e da religião.

Retirei algumas partes da obra original, apenas aquelas “protelatórias”, que em nada enriquecem culturalmente o tema em análise.

A postagem ficou um pouco extensa, mas com certeza vale a pena ler o referido trabalho científico, onde além de tratar da eutanásia, acaba tratando de ricochete o tema do aborto (de um modo mais sucinto, mas trata).

Boa leitura e aprendizagem.

INTRODUÇÃO

A humanidade já evoluiu de uma maneira assombrosa, quando se compara o presente com as primeiras civilizações clássicas, nota-se de uma maneira bastante clara o abismo que separa o homem de séculos atrás com o homem atual. O processo de aprimoramento e avanços continua atualmente, seja na organização espacial do globo, na ciência tecnológica ou na medicina, o homem está sempre buscando derrubar barreiras que dantes eram impossíveis de se transpor.

Doenças que em épocas passadas eram impossíveis de cura e até mesmo de tratamento, hoje são perfeitamente tratadas e curadas. No entanto, mesmo com todos os avanços inquestionáveis do pensar humano, às vezes a tão brilhante mente humana se depara com verdadeiras muralhas indestrutíveis, dentre elas se encontra a tão certa e temível morte. Seja por uma fatalidade inesperada, ou por uma doença, especialmente as crônicas e/ou degenerativas, como o câncer, a morte é algo inevitável e tão certo quanto à existência do sol.

Em alguns casos a cura e/ou tratamento são opções não válidas e possíveis, mas o diagnóstico é quase sempre possível, e para se chegar à conclusão de que determinado paciente se encontra em estado irreversível para a medicina atual, é algo totalmente possível. Ter a certeza da morte em determinado espaço de tempo ou viver já destinado pela classe médica com uma vida deficiente, é algo que abala completamente a razão lógica do enfermo, isso quando se encontra em sã consciência, e dos seus familiares ou entes queridos. Para casos deste tipo a atual medicina não pode fazer praticamente nada para solucionar o problema, mas tem total capacidade para por um fim ao sofrimento do paciente condenado, pondo um fim a sua vida, realizando assim o que foi batizado de eutanásia.

A eutanásia é um tema bastante delicado, que divide opiniões e gera muita polêmica, pois o que está sendo tratado é algo que vai contra o que é dito como padrão do normal e aceitável para o bom senso humano, indo de encontro à ética social, religiosa, médica e jurídica. A questão de sua legalização ou não é o principal ponto de debates, em poucos países a prática foi regulamentada, mas na quase totalidade dos países do globo a prática é ilegal ou não tratada por completo em sua legislação.

Legalizar ou não a eutanásia é uma questão que deve ser tratada cuidadosamente, analisada por todos os pontos de vista éticos existentes, observar a situação dos enfermos condenados e de seus familiares, para que se possa chegar a uma conclusão que se harmonize com o bom senso e principalmente com o ponto de vista humano.


PROBLEMATIZAÇÃO

A vida, o maior de todos os dons que Deus nos concedeu, um verdadeiro milagre somente capaz a um Deus Vivo e Todo-Poderoso. Vida esta que até qualquer animal luta, movido totalmente por instintos naturais, para defendê-la e melhorá-la cada vez mais. O que não dizer então do ser humano, o ser comandante do Planeta Terra, o ser vivente que recebeu a dádiva de ser dotado de complexos sentimentos e de uma capacidade mental que até nos dias atuais surpreende cada vez mais.

O viver para o ser humano vem se transformando cada vez mais com o passar do tempo, através das evoluções que esse vem realizando ao seu redor, em seu meio social. Cada vez mais conforto, mais facilidades, mais saúde e mais ciência, todo e qualquer benefício que a mente humana pode oferecer para ele em vida, pelo menos para os que podem pagar para tais regalias. E como todo ser vivo, o ser humano não seria diferente dos demais, a vida, o viver, está sempre em primeiro plano; a sobrevivência, o estar vivo, o sentimento de querer estar sempre que possível presente nessa vida, marca de uma forma fervorosa praticamente a todo ser humano que se encontra em seu estado normal de consciência.

Sendo a vida este bem que todo ser vivo, mais ainda o ser humano, zela e procura prolongá-la o máximo que possível, como seria imaginar e ver o seu fim tão próximo, em especial para um ser pensante, como é o ser humano? Homem este que com os avanços da medicina consegue detectar e fazer relatórios futuros sobre o avanço de uma doença, principalmente as de cunho terminal, onde o paciente fica condenado pela medicina a morrer dentro de um prazo, que às vezes chega a ser tão específico para determinar a semana da morte do individuo. Para esses casos em que a ciência não consegue resolver para o lado positivo, dando a certeza ou pelo menos a esperança de uma cura, ela tem a chave que abre a porta para o lado negro da história, é o que foi batizado de eutanásia. Este método, que provoca voluntariamente a morte de um doente terminal, busca reduzir seu sofrimento físico e psicológico, evitando a morte dolorosa e gradual. Ministrando drogas farmacêuticas ou outras substâncias químicas, alivia-se a dor e abrevia-se a vida do ser condenado.

O ser humano ao se deparar com a situação acima relatada, pode no auge de sua fraqueza e desespero, autorizar o fim de sua própria vida. Com a ocorrência de casos de eutanásia aumentando cada vez mais, chega-se a interrogação que divide pensamentos: Deve a eutanásia ser legalizada, em especial no Brasil?

Em assim sendo, é uma questão que causa muitas controvérsias, mas que não pode ser entregue ao vento e deixada à vontade de pacientes aterrorizados ou em familiares mais ainda.


HIPÓTESES

Quando nos deparamos com casos de doentes em estado terminal, com sua vida terrena condenada pela classe médica, principalmente se o doente for um de nossos familiares, um impacto sentimental bastante forte nos atinge de frente. Em alguns casos a fé em Deus, em Jesus Cristo, se for o caso dos cristãos, em Algo superior, é uma das, ou talvez a única alternativa de apelação, conforto e consolação para o condenado e seus entes mais próximos sentimentalmente. Alguns mantém a esperança na ciência, que ela poderá estar enganada ou descobrir a tão desejada cura; mas o que é certo vir à tona, nem que seja por um mísero instante e depois desapareça das mentes envolvidas no drama, é um possível uso da eutanásia, como uma tentativa de por um fim ao sofrimento vivo a que o doente está submetido pelo acaso a viver. Nessas circunstâncias fica impossível não entrar em pauta a discussão sobre a legalidade da prática da eutanásia. Como deveria se posicionar a justiça nesses casos?

Por não ser um tema devidamente tratado pelas leis e códigos brasileiros, a eutanásia não é um assunto terminado, nem muito menos fundamentando e estudado a fundo pelos nossos legisladores. Essa deficiência formal das nossas normas jurídicas abre algumas possibilidades de adoção pela justiça nacional.

Uma das soluções que poderá vir a ser adotada é a liberação da prática da eutanásia. Nesse caso a adoção do método ficaria totalmente sujeito a vontade do paciente, cabendo a ele próprio tomar a decisão que julgar mais “vantajosa” a sua interpretação; a justiça não poderia intervir caso o doente condenado queira por um fim a sua vida e sofrimento. A intervenção do Estado se daria somente se a vontade do paciente estivesse sendo violada, seja por familiares, médicos e ou qualquer outra pessoa ou entidade.

A outra alternativa, mais lógica e usual, seria a total proibição da prática e uso do método. Com essa adoção o Estado teria totais poderes para não permitir que o apelo à eutanásia fosse concretizado em qualquer circunstância; obrigando o paciente a pelejar até o fim com a doença em busca da cura. A morte seria de cunho natural, e não artificial.


JUSTIFICATIVA

A ciência como um todo teve e continua a ter um desenvolvimento bastante intenso, e a medicina também não seria diferente. Várias doenças dantes impossíveis de cura e até de tratamento, hoje ou são totalmente curáveis ou pelo menos podem ser tratadas e combatidas. Mesmo com todos esses avanços indiscutíveis, a medicina ainda não conseguiu dominar plenamente todos os casos de doenças conhecidos.

Como já foi abordado anteriormente, a medicina pode não manter o paciente vivo em toda e qualquer circunstância, mas pode a qualquer momento por um fim no sofrimento do indivíduo, fazendo uso do método da eutanásia, antecipando a morte e poupando o condenado a morte de maiores dores. A eutanásia de um certo tempo para cá se tornou e está se tornando cada vez mais uma alternativa bastante usada pelos pacientes terminais para porem um fim nas suas vidas. Casos e mais casos são mostrados freqüentemente em jornais, tanto televisivos quanto escritos, de pessoas que autorizaram o fim de suas vidas; de casos em que os médicos se negaram a fazer uso de drogas químicas para por um fim a vida do enfermo, de parentes e familiares que se acusam mutuamente por causa do uso do método em um ente familiar, muitos e muitos casos com outras variantes mais complexas e que dividem e geram inúmeras opiniões. Vários programas de rádio e televisão já promoveram inúmeros debates sobre o tema da eutanásia, onde na maioria dos casos a mesma dúvida que entra, permanece firme e inabalável ao fim dos entraves verbais entre os contra e pró a legalização da eutanásia.

Por se tratar de um tema dotado de uma relevância bastante acentuada, pois envolve nada mais nada menos do que a legalização da prática médica de por fim a vida de um ser humano, a eutanásia tem tido uma grande atenção por parte da população em geral e, por conseguinte, da mídia.

A eutanásia é um assunto bastante abrangente, que engloba ética dos médicos, religião, direito, moral, dor e o fator principal, a vida.

São estes os motivos que fazem da eutanásia, em especial a sua legalização, um assunto de bastante importância, que deve ser estudado, esmiuçado, debatido por todas as partes que de algum modo estão envolvidas na questão; para que se possa criar a melhor solução possível, analisando os princípios éticos, religiosos e legais.


FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

6.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Eutanásia, palavra que deriva de eu, que significa bem, e thanatos, que é morte, significando assim boa morte, morte doce, morte sem dor nem sofrimento. Dermival Ribeiro Rios, em sua obra Novo dicionário escolar da língua portuguesa (2000, p.281), definiu que a eutanásia seria “S.f. Prática ilegal pela qual se abrevia a morte, a um doente incurável, sob o pretexto de poupar-lhe mais sofrimentos”.

Por se tratar de uma prática que passou a ter um maior destaque na sociedade há poucos anos, principalmente pelos avanços dos métodos médicos, a eutanásia é um tema praticamente não abordado na atual legislação brasileira. A única alusão que poderia ser feita é ao art. 121 do Código Penal (CP), que prevê pena de 6 a 20 anos de reclusão quando o médico abrevia o sofrimento da vítima, mesmo com a alegação de piedade ou compaixão, cometendo assim o crime de homicídio simples.

Apesar de a discussão do método da eutanásia e sua legalização ter ganhado atenção apenas nesses últimos anos, a sua prática e uso já datam de alguns séculos atrás, sendo que ela só passou a ser condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, onde a vida tinha e continua a ter, mesmo com algumas heresias infiltradas em certas igrejas, um caráter sagrado. A grande maioria das sociedades que antecederam a ascensão do judaísmo e do cristianismo admitiam e praticavam a morte voluntária de indivíduos que fossem portadores de doenças ou deformidades incuráveis. Genival Veloso de França relata que:

"Na Índia de antigamente, os incuráveis eram jogados no Ganges, depois de se lhes vedar a boca e as narinas com a lama sagrada. Os espartanos, conta Plutarco em Vidas Paralelas, do alto do monte Taijeto, lançavam os recém-nascidos deformados e até anciãos, pois "só viam em seus filhos futuros guerreiros que, para cumprirem tais condições deveriam apresentar as máximas condições de robustez e força". Os Brâmanes eliminavam os velhos enfermos e os recém-nascidos defeituosos por considerá-los imprestáveis aos interesses do grupo. Em Atenas, o Senado tinha o poder absoluto de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium maculatum - bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos evitarem a agonia e o ultraje".

De acordo com o relato de Genival Veloso de França, percebe-se que a morte provocada conscientemente é algo originado e fundamentado historicamente em regiões que continham, e que muitas ainda hoje contêm, um pensamento religioso pagão, envolto de misticismos e focando sempre a ótica física do ser, colocando a auto-suficiência da sociedade acima do valor de viver, e pior ainda, na grande maioria dos casos não dando nem a opção da vítima opinar quanto ao seu destino vital. Graças à cultura judaico-cristã é que a vida ganhou apoio e forças para ocupar o lugar de que nunca deveria ter saído, o lugar de prioridade sobre a morte.

A eutanásia se divide em três modalidades, que são chamadas de libertadora, piedosa e eugênica, que também pode ser chamada de econômica. Na forma libertadora, o enfermo incurável pede que se lhe abrevie a dolorosa agonia, com uma morte calma, indolor. Já na forma piedosa, o moribundo encontra-se inconsciente, e, tratando-se de caso terminal que provoca sofrimento agudo, proporcionando horríveis espetáculos de agonia, seu médico ou seu familiar, movido por piedade, o liberta, provocando a antecipação de sua hora fatal. Quanto à forma eugênica, trata-se da eliminação daqueles seres apsíquicos e associais absolutos, disgenéticos, monstros de nascimento, idiotas graves, loucos incuráveis e outros. Essa modalidade está presente na lembrança histórica das atrocidades dos nazistas, contra judeus e outras minorias, em prol da apuração da raça ariana.

Embora muito remota pelos princípios humanos e cristãos da sociedade, com a legalização da eutanásia, caso ocorra no Brasil, estar-se-á admitindo uma forma de burlar o crime de auxílio ao suicídio pela modalidade libertadora, de burlar o homicídio pela modalidade piedosa e, finalmente, de burlar o infanticídio e até o aborto criminoso pela modalidade eugênica ou econômica.

(continua...)

Anchieta Campos

Nenhum comentário: