Disponibilizo no blog um Projeto de Pesquisa de minha autoria, elaborado no início do meu curso de Direito, no ano de 2005, como requisito da disciplina Metodologia do Trabalho Científico.
O tema abordado foi “A questão da Eutanásia e sua legalização”, onde realizei uma abordagem ética/lógica/histórica/cultural sob o tríplice enfoque da medicina, do direito e da religião.
Retirei algumas partes da obra original, apenas aquelas “protelatórias”, que em nada enriquecem culturalmente o tema em análise.
A postagem ficou um pouco extensa, mas com certeza vale a pena ler o referido trabalho científico, onde além de tratar da eutanásia, acaba tratando de ricochete o tema do aborto (de um modo mais sucinto, mas trata).
Boa leitura e aprendizagem.
INTRODUÇÃO
A humanidade já evoluiu de uma maneira assombrosa, quando se compara o presente com as primeiras civilizações clássicas, nota-se de uma maneira bastante clara o abismo que separa o homem de séculos atrás com o homem atual. O processo de aprimoramento e avanços continua atualmente, seja na organização espacial do globo, na ciência tecnológica ou na medicina, o homem está sempre buscando derrubar barreiras que dantes eram impossíveis de se transpor.
Doenças que em épocas passadas eram impossíveis de cura e até mesmo de tratamento, hoje são perfeitamente tratadas e curadas. No entanto, mesmo com todos os avanços inquestionáveis do pensar humano, às vezes a tão brilhante mente humana se depara com verdadeiras muralhas indestrutíveis, dentre elas se encontra a tão certa e temível morte. Seja por uma fatalidade inesperada, ou por uma doença, especialmente as crônicas e/ou degenerativas, como o câncer, a morte é algo inevitável e tão certo quanto à existência do sol.
Em alguns casos a cura e/ou tratamento são opções não válidas e possíveis, mas o diagnóstico é quase sempre possível, e para se chegar à conclusão de que determinado paciente se encontra em estado irreversível para a medicina atual, é algo totalmente possível. Ter a certeza da morte em determinado espaço de tempo ou viver já destinado pela classe médica com uma vida deficiente, é algo que abala completamente a razão lógica do enfermo, isso quando se encontra em sã consciência, e dos seus familiares ou entes queridos. Para casos deste tipo a atual medicina não pode fazer praticamente nada para solucionar o problema, mas tem total capacidade para por um fim ao sofrimento do paciente condenado, pondo um fim a sua vida, realizando assim o que foi batizado de eutanásia.
A eutanásia é um tema bastante delicado, que divide opiniões e gera muita polêmica, pois o que está sendo tratado é algo que vai contra o que é dito como padrão do normal e aceitável para o bom senso humano, indo de encontro à ética social, religiosa, médica e jurídica. A questão de sua legalização ou não é o principal ponto de debates, em poucos países a prática foi regulamentada, mas na quase totalidade dos países do globo a prática é ilegal ou não tratada por completo em sua legislação.
Legalizar ou não a eutanásia é uma questão que deve ser tratada cuidadosamente, analisada por todos os pontos de vista éticos existentes, observar a situação dos enfermos condenados e de seus familiares, para que se possa chegar a uma conclusão que se harmonize com o bom senso e principalmente com o ponto de vista humano.
PROBLEMATIZAÇÃO
A vida, o maior de todos os dons que Deus nos concedeu, um verdadeiro milagre somente capaz a um Deus Vivo e Todo-Poderoso. Vida esta que até qualquer animal luta, movido totalmente por instintos naturais, para defendê-la e melhorá-la cada vez mais. O que não dizer então do ser humano, o ser comandante do Planeta Terra, o ser vivente que recebeu a dádiva de ser dotado de complexos sentimentos e de uma capacidade mental que até nos dias atuais surpreende cada vez mais.
O viver para o ser humano vem se transformando cada vez mais com o passar do tempo, através das evoluções que esse vem realizando ao seu redor, em seu meio social. Cada vez mais conforto, mais facilidades, mais saúde e mais ciência, todo e qualquer benefício que a mente humana pode oferecer para ele em vida, pelo menos para os que podem pagar para tais regalias. E como todo ser vivo, o ser humano não seria diferente dos demais, a vida, o viver, está sempre em primeiro plano; a sobrevivência, o estar vivo, o sentimento de querer estar sempre que possível presente nessa vida, marca de uma forma fervorosa praticamente a todo ser humano que se encontra em seu estado normal de consciência.
Sendo a vida este bem que todo ser vivo, mais ainda o ser humano, zela e procura prolongá-la o máximo que possível, como seria imaginar e ver o seu fim tão próximo, em especial para um ser pensante, como é o ser humano? Homem este que com os avanços da medicina consegue detectar e fazer relatórios futuros sobre o avanço de uma doença, principalmente as de cunho terminal, onde o paciente fica condenado pela medicina a morrer dentro de um prazo, que às vezes chega a ser tão específico para determinar a semana da morte do individuo. Para esses casos em que a ciência não consegue resolver para o lado positivo, dando a certeza ou pelo menos a esperança de uma cura, ela tem a chave que abre a porta para o lado negro da história, é o que foi batizado de eutanásia. Este método, que provoca voluntariamente a morte de um doente terminal, busca reduzir seu sofrimento físico e psicológico, evitando a morte dolorosa e gradual. Ministrando drogas farmacêuticas ou outras substâncias químicas, alivia-se a dor e abrevia-se a vida do ser condenado.
O ser humano ao se deparar com a situação acima relatada, pode no auge de sua fraqueza e desespero, autorizar o fim de sua própria vida. Com a ocorrência de casos de eutanásia aumentando cada vez mais, chega-se a interrogação que divide pensamentos: Deve a eutanásia ser legalizada, em especial no Brasil?
Em assim sendo, é uma questão que causa muitas controvérsias, mas que não pode ser entregue ao vento e deixada à vontade de pacientes aterrorizados ou em familiares mais ainda.
HIPÓTESES
Quando nos deparamos com casos de doentes em estado terminal, com sua vida terrena condenada pela classe médica, principalmente se o doente for um de nossos familiares, um impacto sentimental bastante forte nos atinge de frente. Em alguns casos a fé em Deus, em Jesus Cristo, se for o caso dos cristãos, em Algo superior, é uma das, ou talvez a única alternativa de apelação, conforto e consolação para o condenado e seus entes mais próximos sentimentalmente. Alguns mantém a esperança na ciência, que ela poderá estar enganada ou descobrir a tão desejada cura; mas o que é certo vir à tona, nem que seja por um mísero instante e depois desapareça das mentes envolvidas no drama, é um possível uso da eutanásia, como uma tentativa de por um fim ao sofrimento vivo a que o doente está submetido pelo acaso a viver. Nessas circunstâncias fica impossível não entrar em pauta a discussão sobre a legalidade da prática da eutanásia. Como deveria se posicionar a justiça nesses casos?
Por não ser um tema devidamente tratado pelas leis e códigos brasileiros, a eutanásia não é um assunto terminado, nem muito menos fundamentando e estudado a fundo pelos nossos legisladores. Essa deficiência formal das nossas normas jurídicas abre algumas possibilidades de adoção pela justiça nacional.
Uma das soluções que poderá vir a ser adotada é a liberação da prática da eutanásia. Nesse caso a adoção do método ficaria totalmente sujeito a vontade do paciente, cabendo a ele próprio tomar a decisão que julgar mais “vantajosa” a sua interpretação; a justiça não poderia intervir caso o doente condenado queira por um fim a sua vida e sofrimento. A intervenção do Estado se daria somente se a vontade do paciente estivesse sendo violada, seja por familiares, médicos e ou qualquer outra pessoa ou entidade.
A outra alternativa, mais lógica e usual, seria a total proibição da prática e uso do método. Com essa adoção o Estado teria totais poderes para não permitir que o apelo à eutanásia fosse concretizado em qualquer circunstância; obrigando o paciente a pelejar até o fim com a doença em busca da cura. A morte seria de cunho natural, e não artificial.
JUSTIFICATIVA
A ciência como um todo teve e continua a ter um desenvolvimento bastante intenso, e a medicina também não seria diferente. Várias doenças dantes impossíveis de cura e até de tratamento, hoje ou são totalmente curáveis ou pelo menos podem ser tratadas e combatidas. Mesmo com todos esses avanços indiscutíveis, a medicina ainda não conseguiu dominar plenamente todos os casos de doenças conhecidos.
Como já foi abordado anteriormente, a medicina pode não manter o paciente vivo em toda e qualquer circunstância, mas pode a qualquer momento por um fim no sofrimento do indivíduo, fazendo uso do método da eutanásia, antecipando a morte e poupando o condenado a morte de maiores dores. A eutanásia de um certo tempo para cá se tornou e está se tornando cada vez mais uma alternativa bastante usada pelos pacientes terminais para porem um fim nas suas vidas. Casos e mais casos são mostrados freqüentemente em jornais, tanto televisivos quanto escritos, de pessoas que autorizaram o fim de suas vidas; de casos em que os médicos se negaram a fazer uso de drogas químicas para por um fim a vida do enfermo, de parentes e familiares que se acusam mutuamente por causa do uso do método em um ente familiar, muitos e muitos casos com outras variantes mais complexas e que dividem e geram inúmeras opiniões. Vários programas de rádio e televisão já promoveram inúmeros debates sobre o tema da eutanásia, onde na maioria dos casos a mesma dúvida que entra, permanece firme e inabalável ao fim dos entraves verbais entre os contra e pró a legalização da eutanásia.
Por se tratar de um tema dotado de uma relevância bastante acentuada, pois envolve nada mais nada menos do que a legalização da prática médica de por fim a vida de um ser humano, a eutanásia tem tido uma grande atenção por parte da população em geral e, por conseguinte, da mídia.
A eutanásia é um assunto bastante abrangente, que engloba ética dos médicos, religião, direito, moral, dor e o fator principal, a vida.
São estes os motivos que fazem da eutanásia, em especial a sua legalização, um assunto de bastante importância, que deve ser estudado, esmiuçado, debatido por todas as partes que de algum modo estão envolvidas na questão; para que se possa criar a melhor solução possível, analisando os princípios éticos, religiosos e legais.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
6.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Eutanásia, palavra que deriva de eu, que significa bem, e thanatos, que é morte, significando assim boa morte, morte doce, morte sem dor nem sofrimento. Dermival Ribeiro Rios, em sua obra Novo dicionário escolar da língua portuguesa (2000, p.281), definiu que a eutanásia seria “S.f. Prática ilegal pela qual se abrevia a morte, a um doente incurável, sob o pretexto de poupar-lhe mais sofrimentos”.
Por se tratar de uma prática que passou a ter um maior destaque na sociedade há poucos anos, principalmente pelos avanços dos métodos médicos, a eutanásia é um tema praticamente não abordado na atual legislação brasileira. A única alusão que poderia ser feita é ao art. 121 do Código Penal (CP), que prevê pena de 6 a 20 anos de reclusão quando o médico abrevia o sofrimento da vítima, mesmo com a alegação de piedade ou compaixão, cometendo assim o crime de homicídio simples.
Apesar de a discussão do método da eutanásia e sua legalização ter ganhado atenção apenas nesses últimos anos, a sua prática e uso já datam de alguns séculos atrás, sendo que ela só passou a ser condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, onde a vida tinha e continua a ter, mesmo com algumas heresias infiltradas em certas igrejas, um caráter sagrado. A grande maioria das sociedades que antecederam a ascensão do judaísmo e do cristianismo admitiam e praticavam a morte voluntária de indivíduos que fossem portadores de doenças ou deformidades incuráveis. Genival Veloso de França relata que:
"Na Índia de antigamente, os incuráveis eram jogados no Ganges, depois de se lhes vedar a boca e as narinas com a lama sagrada. Os espartanos, conta Plutarco em Vidas Paralelas, do alto do monte Taijeto, lançavam os recém-nascidos deformados e até anciãos, pois "só viam em seus filhos futuros guerreiros que, para cumprirem tais condições deveriam apresentar as máximas condições de robustez e força". Os Brâmanes eliminavam os velhos enfermos e os recém-nascidos defeituosos por considerá-los imprestáveis aos interesses do grupo. Em Atenas, o Senado tinha o poder absoluto de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium maculatum - bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos evitarem a agonia e o ultraje".
De acordo com o relato de Genival Veloso de França, percebe-se que a morte provocada conscientemente é algo originado e fundamentado historicamente em regiões que continham, e que muitas ainda hoje contêm, um pensamento religioso pagão, envolto de misticismos e focando sempre a ótica física do ser, colocando a auto-suficiência da sociedade acima do valor de viver, e pior ainda, na grande maioria dos casos não dando nem a opção da vítima opinar quanto ao seu destino vital. Graças à cultura judaico-cristã é que a vida ganhou apoio e forças para ocupar o lugar de que nunca deveria ter saído, o lugar de prioridade sobre a morte.
A eutanásia se divide em três modalidades, que são chamadas de libertadora, piedosa e eugênica, que também pode ser chamada de econômica. Na forma libertadora, o enfermo incurável pede que se lhe abrevie a dolorosa agonia, com uma morte calma, indolor. Já na forma piedosa, o moribundo encontra-se inconsciente, e, tratando-se de caso terminal que provoca sofrimento agudo, proporcionando horríveis espetáculos de agonia, seu médico ou seu familiar, movido por piedade, o liberta, provocando a antecipação de sua hora fatal. Quanto à forma eugênica, trata-se da eliminação daqueles seres apsíquicos e associais absolutos, disgenéticos, monstros de nascimento, idiotas graves, loucos incuráveis e outros. Essa modalidade está presente na lembrança histórica das atrocidades dos nazistas, contra judeus e outras minorias, em prol da apuração da raça ariana.
Embora muito remota pelos princípios humanos e cristãos da sociedade, com a legalização da eutanásia, caso ocorra no Brasil, estar-se-á admitindo uma forma de burlar o crime de auxílio ao suicídio pela modalidade libertadora, de burlar o homicídio pela modalidade piedosa e, finalmente, de burlar o infanticídio e até o aborto criminoso pela modalidade eugênica ou econômica.
(continua...)
Anchieta Campos
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