domingo, 19 de julho de 2009

Dar a outra face? É ilícito nos defendermos?

Primeiramente pedindo desculpas aos fiéis leitores deste humilde espaço, pois já são quase duas semanas sem nenhuma publicação. O período de provas da faculdade passou, as férias da mesma e do estágio finalmente chegaram, o que implica na volta a normalidade das publicações. Portanto, estou de volta (para a tristeza e preocupação de Luis XVI)!

Volto tratando de um tema bem interessante, onde a minha explanação poderá até escandalizar algum irmão em Cristo, mas o esclarecimento tem que ser feito.

Quem é evangélico sabe, e isso não é novidade para os mais entendidos, que o nosso meio, por mais que tenha uma cultura bíblica mais elevada que a média dos demais grupos da cristandade, é ainda marcado por uma ignorância bíblica um tanto quanto considerável.

Tomando por base o texto de Mt 5:39 “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra”, muitos irmãos pregam a falsa idéia de que o crente verdadeiro, para mostrar o caráter de Cristo e ser exemplo, deve ser saco de pancada e nunca se defender. “É Deus te provando irmão, agüenta firme!”; “Seja crente, fique calado, não faça e não diga nada!”; são alguns exemplos de ‘conselhos’ comuns que às vezes recebemos de alguns crentes.

Cabe destacar a princípio que Jesus não ensinou, em hipótese alguma, que devemos ser sempre silentes e ou inertes com as injustiças, sejam elas contra terceiros ou contra nós mesmos. O próprio início do verso em análise já demonstra que não devemos ser complacentes com o mal, o que no contexto significa atitudes e/ou agressões injustas. Ademais, ainda não achei uma interpretação séria e ortodoxa que afirme que Jesus tenha mandado literalmente darmos a outra face para apanharmos injustamente. Com certeza Jesus não ensinaria seus discípulos a serem sacos de pancada inertes, que nunca defendem a si mesmos, seus familiares, ou terceiros. Ver Pv 3:30; 29:7.

O que Jesus realmente quis ensinar em Mt 5:39 é que o crente deve demonstrar paciência (2 Co 6:4; Gl 5:22; Ef 4:2; Cl 1:11; 3:12; 2 Ts 1:4; 1 Tm 6:11; 2 Pe 1:6) e humildade (At 20:19; Fl 2:3; 1 Pe 5:5) perante os que lhe agridem, mas não ensinou a omissão. Na prática é um ensino que muitos já tem noção do mesmo, que é o de que o crente deve sempre procurar viver em paz com todos (cf. Rm 12:18), o que significa não ser violento (Mt 5:5; Mt 11:29) e injusto (Mt 5:6; 1 Co 6:8,9). Lembremos que a Bíblia condena a vingança, mas não a defesa.

Trata-se, portanto, do crente mostrar auto-controle (Pv 25:28), que é a temperança; mas isso não significa que a paciência e a temperança do cristão são infinitas. O próprio Cristo, quando expulsou a base de um chicote com tiras de couro os comerciantes do Templo (Mt 21:12; Mc 11:15; Jo 2:15), bem como o apóstolo Paulo, ao alegar sua nacionalidade romana quando estava sendo amarrado para ser açoitado (At 22:25:29), ambos demonstram que não aceitaram calados a injusta situação que estavam vivenciando. Jesus não disse “continuem vendendo! eu não vou falar nem fazer nada, pois sou obrigado a agüentar tudo calado!”; Paulo não disse “Já que vocês vão açoitar minhas costas, aproveitem a quebrem as pernas também, pois sou obrigado a oferecer a outra face!”. Jesus realizou justiça (praticamente a base da chicotada), e Paulo invocou seus direitos. Onde está a resignação de Jesus e Paulo? Onde está o silêncio dos dois perante uma injustiça?

A passagem de Jo 18:22 acaba de vez com a falsa idéia do crente ser um paciente saco de pancadas. A passagem mostra que Jesus levou uma bofetada no rosto, sendo que o mesmo ao invés de oferecer a outra face fez foi protestar contra a injusta agressão (v. 23).

Destaque-se ainda que quando alguém sofre um tapa no lado direito do rosto, o mesmo fora, por via de regra, atingido com o lado de fora da mão do agressor, haja vista a regra ser uma agressão desferida sempre com a mão direita, o que implica concluir que Jesus estava falando mais sobre uma agressão moral do que propriamente uma agressão física.

Portanto, não há base bíblica para crermos que Mt 5:39 nos manda sermos pessoas que não se defendem, que apanham calados por profissão. Ao mesmo tempo em que a Palavra ensina a paciência, o domínio próprio, o perdão, a paz, etc., ela doutrina que defendamos os pobres, humildes, necessitados, bem como a nós mesmos, sempre no norte da justiça e dos direitos de cada um (cf. Is 1:17).

Isto posto, rogo que os queridos leitores deste blog nunca venham a assinar a carteira de saco de pancada profissional.

Anchieta Campos

4 comentários:

claudio pimenta disse...

Bela postagem! acho que se salomao estive vivo e fosse escrever novamente os proverbios ele subistituiria algumas palavra como por exemplo :

ao insensato vara!
ao insensato BALA!

Anchieta Campos disse...

Caro irmão Cláudio, a paz do Senhor.

Realmente vivemos em tempos trabalhosos, tanto no que tange ao sistema evangélico em si, bem como ao sistema secular como um todo.

A violência não é uma marca apenas do nosso tempo, mas com certeza vemos já no AT a sistemática doutrinária apontando não para uma atitude sempre passiva em relação as coações que sofremos.

Como disse no artigo, não cabe a nós sermos pacientes em sofrer danos injustamente. A Bíblia não prega a vingança, mas ensina a defesa!

Em relação a "bala" citada pelo irmão, tenho muito (mas muito mesmo) receio em relação ao uso de armas de fogo para nossa defesa; vejo que não se pode generalizar uma posição a este respeito, pois são inúmeras as situações de vida que existem pelo mundo.

Abraço.

Anchieta Campos

Abraço.

Anônimo disse...

Caro Irmão Achieta, A paz do Senhor!!!

Amado irmão esse artigo foi muito bem escrito!!!

Pois a Biblia fala de darmos a outra face!
Mas nos tempos de hoje com a injustiça que há, a única face que podemos dar para tentarem agradir é a face espiritual, pois se a mesma estiver com Deus não tem agração que a derrube!!!!

Enquanto a face fisíca...
"...A carinha que mainha dar carinho ninguém bate injustamente não"

Fica com Deus meu amado irmão!!!

Foi um prazer te conhecer.

Anchieta Campos disse...

Prezado irmão e amigo Leandro, a paz do Senhor.

É sempre motivo de muita honra e alegria ver suas palavras em eu humilde espaço. Saiba que ter leitores ilustres como o amado irmão é algo que nos motiva grandemente.

Como bem foi frisado pelo irmão, a nossa face espiritual (nosso ego, sentimentos, etc.) é a mais propícia para resistir a injustas agressões, pois podemos quase sempre fugir desse tipo de agressão.

Mas o ataque a face física já complica mais, pois além da física ataca também a interna, o que torna praticamente impossível resistirmos inertes perante as injustas agressões; além de estarmos colocando nossa integridade física em risco com a passividade.

Gostei da sua frase "...A carinha que mainha dar carinho ninguém bate injustamente não"; ela reflete bem a essência do artigo.

Forte abraço. E o prazer foi todo meu em te conhecer.

Anchieta Campos